MORDIDAS: agressividade ou aprendizagem?
O primeiro contato da criança com o mundo é pela boca e morder faz parte dessa etapa.
Uma coisa muito comum nas turmas do berçário em creches – mas que costuma provocar muita preocupação dos pais – são as mordidas. Principalmente no período de acolhimento, em que, além da maioria das crianças estar vivendo sua primeira experiência social extra-familiar, os grupos estão em fase de formação, de “primeiras impressões” , ou em situações de entrada de crianças novatas, as mordidas quase sempre fazem parte da rotina diária das crianças. Não é fácil lidar com esta situação, tanto para os pais (é muito dolorido receber o filho com marcas de mordida!), quanto para nós, educadores (que sempre nos sentimos impotentes, incapazes que somos, na maioria das vezes, de impedir que elas aconteçam).
Mordidas costumam causar revoluções na creche. Ninguém gosta que seu filho seja mordido. Os pais da “vítima”, às vezes, sentem-se culpados por deixarem seu filho correr riscos num ambiente com tantas crianças. Já os pais do mordedor, quase sempre, ficam envergonhados com o fato. Tanto a família do mordedor quanto à do mordido se sentem preocupadas ou agredidas.
Se nos dedicarmos a pensar esta questão de forma mais ampla, poderemos nos aproximar de uma compreensão deste fenômeno, do ponto de vista do desenvolvimento e da história da criança. Podemos partir de perguntas simples como:
Por que as crianças pequenas mordem umas às outras e às vezes até a si mesmas? Expressão de agressividade? Violência? Stress? Sentimento de abandono?
As crianças pequenas geralmente mordem para conhecer. Para elas, tudo que as cerca é objeto de interesse e alvo de sua curiosidade, inclusive as sensações. O conceito de dor, por exemplo, é algo que vai sendo construído a partir de suas vivências pessoais e principalmente sociais, e não algo dado a priori. Mordendo o outro, a criança experimenta e investiga elementos físicos, como sua textura (as pessoas são duras? São moles? Rasgam? Quebram?), sua consistência, seu gosto, seu cheiro; elementos “sexuais” (no sentido mais amplo da palavra), na medida em que morder proporciona alívio para suas necessidades orais (nelas, a libido está basicamente colocada na boca) e ainda investiga elementos de ordem social, isto é, que efeitos que esta ação provoca no meio (o choro, o medo ou qualquer outra reação do amigo, a reprovação do educador, etc). Dessas investigações é que será concebido o conceito de dor, tanto da dor própria (as crianças pequenas muitas vezes mordem também a si mesmas , numa atitude explícita das ações listadas acima) quanto da dor do outro (sentido moral da dor: a constatação de que não é lícito proporcionar dor ao outro, mesmo que os sentimentos – a raiva - assim o indiquem).
É claro que, vencida esta primeira etapa de investigação, algumas crianças podem persistir mordendo, seja para confirmar suas descobertas ou para “testar” o meio ambiente (disputa de poder, questionamentos de autoridade, etc). Ou ainda, pode ser uma tentativa de defesa: ela facilmente descobre que morder é uma atitude drástica. Raramente a mordida é um ato de agressividade, e muito menos de violência. As crianças raramente querem simplesmente agredir, a não ser que estejam vivendo alguma situação de intenso stress emocional em que todos os demais recursos estejam esgotados.
Mas o que significa a mordida?
O primeiro contato da criança com o mundo é pela boca. Você já reparou em um bebê? Ele leva coisas para a boca. Mãos, pés, todos os objetos ao alcance vão, mais cedo ou mais tarde, para a boca do bebê.
Ao colocar um objeto na boca, o bebê está experimentando este objeto. Está aumentando seu conhecimento sobre as coisas que o rodeiam. Começa a experimentar diferenças de peso, textura, tamanho forma. Enfim a cada bocada ele conhece um pouco mais o mundo ao redor! Alem de usar a boca para conhecer as coisas, o bebê também a utiliza para aceitar ou rejeitar alimentos e chorar.
Quando surgem os dentes, começam as mordidas. Vindo da boca, não podia ser diferente: A mordida também é uma maneira de conhecer o mundo. E é também uma forma de comunicação com ele.
Mordendo um objeto, a criança pode perceber muitas coisas. A diferença entre duro e mole. Por exemplo. Mordendo o outro, a criança experimenta e investiga elementos físicos, como sua textura (as pessoas são duras? São moles? Rasgam? Quebram?), sua consistência, seu gosto, seu cheiro. Também pode perceber a novidade que é o susto, o choro ou o espanto da criança mordida. Descobrir que a outra reage à mordida é uma grande aventura! Morder pode ser fascinante. Tão fascinante que a criança pode querer repetir.
Quem será o mordedor?
Em nossa cultura, freqüentemente expressamos carinho brincando com os dentes e, sobretudo com bebês, fingindo morder.
Essas ações geram “modelos de imitação” para os pequenos. Eles utilizam esses modelos nas brincadeiras com outras crianças. Porém, ainda não sabem quanta força podem colocar na boca e também não sabem avaliar as conseqüências desse comportamento.
Isso não quer dizer que seja desaconselhável brincar com a criança usando a boca, pelo contrário, esses momentos podem ser muito afetuosos e de grande intimidade. È preciso ir mostrando que está brincadeira se não for “bem dosada”, pode acabar provocando dor e machucando outras crianças. Sobretudo aquelas que não estão com vontade de entrar na sua brincadeira.
A partir das experiências com os adultos e os objetos, cada criança vai construindo uma maneira particular de reagir diante dos acontecimentos.
Em situações em que se sente contrariada ou nas disputas de objetos, algumas crianças reagem de forma explosiva, mordendo, enquanto outras choram, na expectativa de que o adulto a ajude.
Muito comum é acontecer uma mordida quando uma nova criança entra no grupo. Pode ser que uma das crianças fique insegura ou com ciúmes da novata. Sem poder compreender direito, sem ter como organizar suas emoções, ela pode descarregar sua ansiedade na forma de mordida, e o alvo é esta nova criança.
Como acabar com as mordidas?
Há “receitas” para obter mordidas, mas para acabar com elas não. É importante saber: seja qual for o fator que leve à mordida, é preciso muito cuidado para não rotular a criança como “mordedor” . Quando se rotula uma criança, todos passam a esperar que ela volte a ter aquela reação. Mesmo que seja uma expectativa sutil, a criança percebe. Este comportamento pode aumentar a ansiedade da criança, este aumento da ansiedade pode levá-la a dar novas mordidas. Se a mordida acontecer, reforça-se a idéia de que ela é mordedora. A expectativa aumenta, aumenta a ansiedade e ela morde mais uma vez. Um ciclo sem fim.
Evite conversar sobre o fato na frente da criança, ela pode entender e sentir o clima, isto também pode acentuar seu comportamento de morder, com motivo ou sem motivo aparente.
Na ocorrência de uma mordida, talvez o melhor seja tratar o fato com tranqüilidade. É importante esclarecer para a criança, a dor que se sente. Importante também é ajudá-la a encontrar outras formas de se comunicar. Mostrar possibilidade de expressar, através da fala e dos gestos, suas emoções.
É preciso compreender que esta é uma fase do desenvolvimento da criança. Praticamente todas as crianças, entre um e três anos, em algum momento, usaram ou usarão tal conduta. Esse recurso praticamente desaparece quando a linguagem estiver mais desenvolvida.
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